domingo

Insone

Não durmo há 3 dias e ainda estou tentando acordar.

quarta-feira

Tempos modernos

A doença do anseio
Dá ânsia
Até a náusea
Me cansa
Sufoco...
[Re]ceio.

Espelho

- Será que o fato de eu querer um amor que venha de fora significa, necessariamente, que eu já tenha perdido o amor de dentro?

O espelho me encara, impassível, em silêncio.

segunda-feira

Não leia.

O que vai ser escrito aqui não pode ser lido por gente de estômago ou nervos fracos. Pode ser que a curiosidade os leve a querer ver o restante... Então, dessa linha em diante, o que quer que possa lhes acontecer não é mais de minha responsabilidade.
Começo estragando o suspense - recurso que não suporto. Quero aqui romper com qualquer benevolência e realizar, com requintes de crueldade, o ato mais abominado pela minha geração: chamarei de gato a um gato.
A quem sobreviveu até aqui, farei o esforço de explicar.
Ando muito por aí, conheço outro tanto de pessoas, todo dia distribuo e recebo sorrisos e elogios cordiais; às vezes recebo também insultos sem rodeios: a minha gente é libertina. Tudo se pode dizer a um desconhecido e tudo se pode fazer, assim, no ato. Tudo. Exceto cometer a verdade.
Jamais vou entender o que se passou comigo nos 4 últimos dias e tampouco o superarei. Aceitei isso como aceito todas as verdades e digo isso não para demonstrar virtude: o que desejo, mesmo, é agredí-los com a verdade. Quero que ela grude feito uma inflamação cheia de pus e mal cheiro até dilacerar suas retinas; quero que a visão da verdade se torne um pesadelo recorrente que os leve às últimas raias da loucura.
Que morram vocês todos engasgados de verdade e farofa! Gosto de imaginá-la fincada na transversal em vossas gargantas, feito osso de galinha. Meu alimento de hoje é o sangue pisado da hemorragia que a verdade possa enfim lhes causar. A mim já não importa: nunca pude deixar de sofrê-la, e venho trazendo a ressaca de tornados por onde quer que eu passe. A verdade me tomou a família ainda em vida - eu hoje sou filha de mim, sobrinha de ninguém... Às vezes sou irmã de outrem, conquanto não os exponha sequer a um fio de sinceridade.
E fui vivendo dessa maneira: tratando por rato o que era gato, tratando por amor o que era só apreço, tratando por apreço o que era só um hábito, tratando, polida que sou, o que era ódio por antipatia.
Eu hoje digo terrivelmente vingativa: um gato é um gato, e a solidão, a única amiga.

quinta-feira

Coragem

Cheguei a uma conclusão definitiva sobre a síndrome do pânico: todo o medo que não sinto de viver se acumula e vem em ondas, de tempos em tempos, pra me lembrar que o medo existe e que não gastei minha cota, que é pessoal e intransferível.
Uma mulher menstrua quando não usa sua capacidade de gestar; sou tomada pelo medo sempre que passo muito tempo sem usar minha capacidade de me apavorar.

sábado

Naufrágio

Parei de escrever por um tempo sob o motivo de aprender a SER. Tenho tentado colocar de mim em máxima medida nos olhos, nas palavras, na respiração, na transpiração, no ato de ouvir o outro... E menos no papel.
Pareceu-me repentinamente que tudo o que eu escrevia era vida tomada, coisa que eu tinha deixado de fazer em nome do devaneio: o devaneio é tentador. Tudo posso no devaneio.
Mas aconteceu o ontem... E o que não pude
SER nessa ocasião, despejo aqui na forma de um devaneio. Acho engraçado que a coisa que a gente se preparou pra que acontecesse, dia após dia, ao longo de tantos meses, aconteça tão abrupta e tão indolor, num dia em que já se tinha abandonado qualquer tipo de preparação.
Eu hoje fiquei sabendo que ontem já não tinha um amor, e como dou por certo um vazio amanhã, deixo aqui, ainda, como notas mentais ou botes salva-vidas, dois fragmentos de Lispector pra ter onde me agarrar enquanto estiver à deriva.

"Tudo acaba mas o que te escrevo continua. O que é bom, muito bom; o melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas"

"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais"

quarta-feira

Vilão

Não se sabe de onde ele veio e isso pouco importa, conquanto que não se vá. Ledo engano: ele sempre parte. De suas partidas ficam somente corações e sorrisos partidos, posto que sua missão na Terra é apagar com gelo a chama dos grandes anseios amorosos.
Deus sabe quantas mulheres foram cremadas vivas pelo próprio fogo! Brasa apagada com gelo vira fóssil, coisa difícil de deteriorar com o pífio tempo de uma vida humana.
Ele erra pelo mundo numa jornada de mil outonos. Assim: chega com a alegria de mil primaveras e deixa um legado de mil invernos siberianos. Some por alguma janela, misteriosamente carregado por borboletas - mas há quem diga que "aquele ali só pode ter parte com mariposas!".
Tanto faz. Ele vai. Ele foi. Ele fica. E ninguém mais.

terça-feira

Fuga

Diriam que acordei com um nó na garganta. Não. Estou o próprio fio tensionado de um nó; um daqueles que a gente desiste de desatar.
O céu não está cinza, os carros continuam a fazer a trilha de fundo do meu dia, as crianças ainda brincam na orla de tantos, tantos mares... Em algum lugar de mim mesma, brinco também à beira-mar.
O que me faz falta é a comunhão entre corpo e espírito. Eles andam irremediavelmente às turras e isso já faz muito tempo. Cada um segurando uma ponta do fio, o que só presta mesmo para apertar o nó, já que caminham em direções opostas. O que fica no meio é o que chamo, por falta de opção, 'eu'. Tudo o que tenho são parcas pistas: um nome, um rosto no espelho, uma árvore genealógica, um cheiro, uma voz rouca, manias conhecidas, deveres a cumprir, uma pequena sombra envolta por neblina de sonhos multicores... E nada disso me pertence, que até pra ter uma sombra, dependo do sol, e pra ter uma voz, dependo de um ar que vibre, e até para enlouquecer, preciso de um devaneio que me leve embora à galope.

domingo

Estrangeira

Faz menos de uma semana e já não se sabe mais se era Gabriel, Daniel, Rafael... O que jamais esquecerá é que era um nome de anjo com um corpo todinho moldado pelo diabo. Tinha as costas tatuadas de cima a baixo de um desenho que dançava em movimentos vigorosos; tinha cheiro de sândalo e gosto exótico para a moda íntima: não tem a menor idéia de como era sua camiseta, mas recorda-se do estranhamento diante de uma cueca amarela. Ponderou que poderia ter sido um presente, vá lá, mas ele escolheu usá-la. Até hoje não conseguiu chegar a um veredicto sobre a escolha, porque sempre guardou um imenso respeito por tudo quanto não fosse óbvio no outro.
A bem da verdade, pouco lhe importava a historinha da cueca. Tivesse ele achado no chão e vestido, não seria uma notícia recebida com sobressalto. Sua vida afetiva era agora uma coleção de selos e era um passatempo interessante o de compará-los em alguma medida. "Esse é mais colorido. Esse lembra um busto romano. Esse está mais perto das estrelas do que de mim. Esse ao menos me carregou junto rumo às estrelas. Esse me empurrou das nuvens. Esse é xará de um cantor brega. Esse tem o sexo com formas e proporções absolutamente parecidos com o daquele... Como é mesmo o nome dele?"
Comparava-os com o critério único de que não haveria como compará-los. Lambia os selos e colava-os em seu devido lugar. Fechava o álbum. Coletava novos selos. Lambia. Comparava. Fechava o álbum... E, dia desses, apertou-o contra o peito e chorou doído, porque o único selo que queria era o de um país que não existia.

sábado

Freud me ligou de novo...

... Só pra me lembrar de que meu pai também é filho da professora!
o.O

Insucessos

Sou o tipo de pessoa que só consegue fazer regime de barriga bem cheia.

quinta-feira

Anistia

Em minha mente tenho tudo o que preciso pra viver bem, como um hiper-estoque.
Eu quero uma abóbora. Fecho os olhos e acesso uma abóbora.
Eu quero um cavalo branco com pintas de girafa... E lá está ele.
Sempre tenho mais dificuldade na seção de artigos abstratos. Por que ainda não aprendi a achar o que preciso na prateleira certa?
Procuro serenidade e acho nostalgia; tento alçar um embrulho da gôndola de iniciativa e o montinho despenca em efeito dominó. Começo a catar tudo com ar constrangido e me vem a moça trajando o uniforme da Consciência com cara de má-vontade dizendo que não precisa: os estoquistas hão de ajeitar a bagunça mais cedo ou mais tarde.
Ouvi falar que em algum departamento existe solitude, mas me parece que ela tem um preço maior do que posso dispor no momento... E com isso vou levando itens genéricos cujo resultado é bem no esquema do "barato que sai caro". Nada serve, nada serve!
Fico impaciente e naturalmente penso em abandonar meu cesto e sair pisando duro. Creio que já cheguei bem perto da porta e voltei atrás. Foi um momento sublime! Naquele trecho de vida, me perdoei por ter ficado passeando o tempo todo com tamanha displiscência que não atentei às orientações sobre os produtos de matéria mais sutil. Eles são difíceis de enxergar mesmo!
Nesse momento, puxo meu extrato de auto-sabotagem e avalio com ar grave. A dívida é imensa e não sei mais como saldá-la. Não tendo uma segunda opção, rasgo as promissórias e me perdôo, inclusive, por não me perdoar novamente.

quarta-feira

Fazendo cachecol

As pessoas sempre dizem que as palavras ferem. É bom ter isso em mente. É pena elas nunca lembrarem que as palavras também curam!
Hoje pensei que a palavra "marola" é engraçada e representa bem o movimento do mar.
O mar é tão grande que faz a gente ter consciência da nossa pequenez, mas daí vem uma onda e faz a gente pensar com tanta plenitude! Aquele um segundo de eternidade não-ilusória... Então ela retrocede de mansinho e a gente volta a ser pequenina.
Quando penso em certas palavras e certas pessoas, aposto que fico do tamanho do mar. E invento que penso e enrolo e desenrolo, como se a vida fosse de concha de caramujo ou de crochê.

segunda-feira

Fiat Lux!

Existe uma força criadora que às vezes sacode a gente da cabeça aos pés. Tem sido comum uma sensação de que borrifaram inspiração demais no ar, de modo que me sinto sufocada. É como se tivessem usado um daqueles sprays de banheiro e me trancado no mundo. Daí vem, possivelmente, meu pânico.
Minhas mãos não foram bem-educadas para produzir, mas, por infortúnios do destino, tive a fortuna de vir morar só. A mulherada mudérna não sabe o que perde em não cozinhar, por exemplo. Você tá ali, tansformando matérias e materializando pensamentos em cheiros e sabores e cores e texturas. É lindo!
A parte ruim de cozinhar é que, durante esse fazer, a cabeça tem mais tempo pra produzir, e daí você já começa a necessitar de mais massa pra outras materializações: é farinha, é ovo, é leite, é óleo quente que espirra; um alumbramento vai fagocitando o outro, crescendo, crescendo... Minha cachola acho que tem muito fermento.
Sábado recebi uma amiga em casa e me pus a cozinhar pra ela. Foi tanta concentração que só voltei pro chão quando ouvi: "você tem cara de mãe... de parideira!". É a segunda vez que isso me acontece e é coisa de mãe cozinhar, mesmo! Parto atrás de parto. Você acabou de parir a comida e já embuchou a cabeça de tanta idéia...
À parte de minhas experiências culinárias, parti pra cima da minha parede. Acho que ando cobrindo a parede de pequenas epifanias pra esvaziar os acúmulos de imaginação e pra tentar me livrar da maldita mania de querer colorir tudo (e todo) o que é cinza - o que é, na verdade, metáfora pra um outro tópico muito mais complexo.
A parede não basta e eu escrevo em qualquer papel de pão. Escrevo miseravelmente mal e com um alívio imensurável. São 24 anos de gavetas oníricas empoeiradas!
Criação é o escudo anti-loucura. Viver não passa do exercício de deixar rastros. Um homem precisa dar contorno ao que é intangível para superar o trauma de ser perecível. Fora a beleza física (que pode existir ou não), é essa a única beleza humana.

De uma hora para outra, tudo faz um pouco de sentido: minhas pautas mentais têm sempre envolvido a energia masculina em estado bruto, a capacidade feminina de amamentar o mundo, a harmonia estética e o potencial lúdico que a gente só tem na infância. Junte tudo num recipiente com recortes coloridos, água e cola... Brinque de Deus e boa diversão!

... E por falar em audição


"Braço da Vênus de Milo acenando 'tchau!' " é a imagem poética mais linda, sagaz, triste, irônica, auto-biográfica, tudo-isso-ao-mesmo-tempo, etc etc que eu já ouvi o Zeca Baleiro cantar.


Corpo insano, mente vã.

O médico tira o otoscópio da minha orelha e suspira longamente. Pelo olhar dele, nessa pequena trégua de palavras, prendo a respiração esperando um "é câncer!" ou então "lindinha, teu nome agora é Van Gogh! Enfermeira, traga o bisturi, álcool e uns panos!"
Mas foi assim:
- Tá BEM inflamado. É otite. Você tem que tomar antibiótico e, por agora, uma injeção.
- AIMEUDEUSDOUTOR! É a segunda em 2 meses! Minha audição vai ficar comprometida? E pode ser amoxilina? É que eu já tenho em casa... E o senhor não pode me medicar agora com qualquer coisa que seja administrada por via oral não? Não quero ficar com duas dores!

Desnecessário contar que quase fui catapultada do leito. Os médicos sempre me odeiam porque sou daquelas pessoas que acreditam em medicina por jurisprudência (baseada, claro, em fatos verídicos contados pela vizinha do outro lado da rua enquanto não chega o caminhão do gás).
Eu, por meu turno, sempre odeio os médicos por nunca me perguntarem a quantas anda o meu etéreo. Explico: toda vez que escuto um tipo específico de não, acabo tampando meus ouvidos sob disfarce de doença.
Se ele tivesse querido saber do meu querido, nem precisava de exame.

Melodrama, melôdrama...

Escutando Novos Baianos foi que me dei conta de que a paronímia entre DOÍDO e DOIDO não pode ser gratuita.

quarta-feira

Valei-me, Kundera!

Era um menino de uns 10 anos, não mais que isso. Tinha os cabelos negros meio grudados à testa pelo suor e as maçãs do rosto pareciam duas maçãs-fruta de tanto correr. Os olhos negros e espertos saracuteavam (bem como os pés que mal alcançavam o chão) rosto a rosto dos poucos passageiros daquele vagão da linha mais high society do metrô de São Paulo. Trajava orgulhosamente a camiseta da escolinha de futebol que deitava desajeitada sobre o bermudão preto. O conjunto era de uma harmonia irreparável. Seus dedos se abraçavam, se largavam, brigavam, colavam-se em sinal de prece... Eu, que estava religiosamente atrasada, senti vergonha da minha pressa perante aquela urgência de viver.
Há algum tempo - ou melhor, há algumas leituras - tenho me tornado uma militante anti kitsch, mas face à cena que se deu em seguida, me traí: quando chegou minha vez de ser fitada, presumo que sorri docemente, porque estava justamente a pensar que, tivesse eu 10 anos também, seriam dele meus papéis de carta... E não foi que o projeto de pedaço-de-mal-caminho piscou pra mim e ainda soprou um sorriso garboso com o ar mais confiante do mundo?
Ainda não decidi se isso é um sinal inexorável da minha condição etária de 'tia' ou se, por mágica de pensamento transbordado em olhar, voltei a ser, por alguns segundos, a menina da tiara vermelha.
De uma forma ou de outra, ele partiu meu coração.

segunda-feira

Diga que não estou!

Enquanto minha companheira de casa estuda piano e voz, penso nos livros que quereria estar lendo. A porta entreaberta me permite partilhar, além das notas errantes, do tilintar das gotinhas de chuva que escorrem alegremente da bananeira do quintal. Algumas explodem na calha e viram outras muitas gotinhas ainda menores. Concluí que quando tenho um encontro espiritual muito feliz, é um pouco isso o que me acontece.
O quarto tem uma alegria e um silêncio perturbadores, e a acolhida do cobertor macio cor-de-cenoura aliado ao chá e ao banho bem quente aliviam minha febre quase por completo.
O cheiro é de lavanda e as fotos são todas sorridas ou pintadas do azul do mar ou do céu, à exceção daquela em que a tarde caía branca no interior de Minas Gerais. Lembrei até do sabor, da textura, da fumacinha quente daquele pão de queijo e do amparo que recebi daquela gente.
É a primeira vez que digo com propriedade: "Estou em casa! Em- ca-sa."
Poderia estar contente em tantos outros lugares hoje... Mas é bom saber que quando estiver triste, estarei aqui.

terça-feira

Dia D

Sentada à janela do ônibus, olhava os carros passarem todos mais rápidos pela esquerda. Não dava tempo de ver se algum deles tinha crianças dormindo no banco de trás, casais conversando, duas mulheres discutindo, um homem feio cantando feliz... Via apenas as placas. Viu a placa DOM 0171. Era um carro preto, tipo sedan, com vidros muito escuros, e esse passou com uma velocidade ainda maior.
Teve certeza que ali dirigia o homem de sua vida. Coisa mais clichê... E lá estava ele, bem à frente. DOM 0171 pára no farol. Ela pôde contemplar por mais alguns instantes aquilo que parecia um invólucro de bonecas russas: ele estaria lá dentro, e dentro dele quantos outros eus?
Torceu para que fizesse o mesmo trajeto de seu ônibus. Ela não poderia descer na garoa, correr pela pista até o semáforo e bater no vidro: "Oi, DOM. Você vai casar comigo. Podemos passar hoje no supermercado porque não tenho vinho em casa pra te oferecer? Se não estiver afim de parar no mercado, podemos ir pra sua casa. Daí eu fico conhecendo a sua primeiro". Ele não notaria seu ar de cansaço nem os cabelos desgrenhados nem as unhas descascadas... Uma de suas bonecas russas reconheceria sua companheira vida afora assim que colocasse os olhos no seu rosto pueril.
O sinal verde acendeu e qualquer coisa dentro dela apagou. DOM 0171 literalmente puxou o carro. "Mas com essa placa, convenhamos...!"
Sentira-se assim desde a primeira infância: enquanto os outros podiam pilotar o próprio destino, ela ia ficando para trás nos semáforos vida afora, a mercê de um motorista sem-coração que, sabia, tomaria por loucura suas súplicas para que ele lhe ajudasse a alcançar DOM 0171.
E não adiantaria chorar, porque isso só faria com que os demais passageiros partilhassem do mau julgamento. Suspirou. Fez uma careta pro cobrador. Abriu um livro. Não gostou. Fechou os olhos.
Chegou em casa tarde. "...Também, pudera... Eu sempre chego tarde. Azar de DOM 0171, que não me ofereceu carona!". Sorte a dela.

domingo

Respirando por aparelhos

Naquela sala estava protegido; como uma bolha, isolava-o do perigo de felicidade que ameaçava na janela: fazia sol.
A vida e aquela série de promessas de encontros e sortes e sorrisos e gozos remetiam-no somente ao esboço mental da ressaca que isso tudo poderia causar. Tudo para ele era invertido. Tudo começava por um viés avesso ao usual, diretamente inverso... E ele se pensava diverso.
Era justamente por tal excentricidade que Bê era tanto mais óbvio que o restante dos homens. É que Bê só girou 180º no sentido oposto ao que os falantes de língua inglesa costumam chamar de common sense (para eles não há distinção semântica entre bom senso e senso comum).
Era só pensar no que uma pessoa faria perante um conflito aleatório, elevar a -¹ e... Voillá! tinha-se o próximo passo de Bê, com o agravante de que ele acreditara sempre que plantar bananeira e sair andando era algo que fazia dele uma pessoa surpreendente.
Não. Seu descolamento do eixo padrão apenas servia para destacá-lo, tornando-o mais previsível. Apontar Bê era um exemplo lúdico para explicar essa e aquela conduta caricatural.
Mas tinha a sala. E a sala o protegia. A sala isolava acusticamente coração e testa. A sala com suas almofadas de tafetá asfixiaria eventuais ímpetos.
Ele calava, ensurdecia, mas seus olhos jamais foram coniventes de sua covardia: os olhos (ou seriam os dentes?) de Bê iluminavam qualquer cantinho triste desse mundo.

terça-feira

Beijos, Freud. Me liga!

À época da escola é que nosso existencialismo aflora com força (e consequências!) assustadoras, e é cedo demais para nos darmos conta disso. Crise dos vinteepoucos? Bobazem! O bicho pega mesmo é quando você tem 9.
Por um motivo bem específico, tive um flashback muito aleatório de algum momento já bastante remoto da minha vida (minhas primaveras ainda constavam de 0 ou 1 no primeiro dígito).
Sempre apreciei a contemplação e a elaboração de conjecturas acerca da vida de desconhecidos, mas existia uma fascinação, uma predileção, um susto, um apreço, uma raiva, uma coisa qualquer com os filhos das professoras nos tantos colégios que frequentei.
Em se tratando de meninos, vejo que pertencem mesmo a uma categoria especial de sujeito.
Será...? Será que só eu tinha esse estranhamento quanto ao filho da professora, quem quer que seja ele, hoje ou num tempo longínquo?
O filho da professora apronta mais e se ferra menos; ele era, à priori, um cuzão - ao menos aos meus olhos - porque o filho da professora não repete de ano e não pega recuperação e não faz traquinagem porque senão toma bronca e a mãe fica profissionalmente comprometida. Quando faz, é segredo! Pega mal.
Agora, eu mais vivida, penso que ele vivia coagido. Penso que o filho da professora era um oprimido.
Mas o filho da professora tem o lanche mais gostoso porque a mãe tá por perto e não consegue negar o dinheiro da cantina. Os nerds têm inveja do filho da professora; os malandros têm raiva do filho da professora; as meninas querem namorar o filho da professora; os funcionários zelam pelo filho da professora; a professora obviamente ama mais o filho da professora do que os demais alunos, que, por sua vez, nutrem um estranho amor pela professora. NINGUÉM é indiferente ao filho da professora... Deve ser por isso que eles são sempre meio marrentinhos, meio "galo do galinheiro", usando a brilhante definição de um grande amigo sobre, TCHARANNNN... Um pura-raça filho da professora.
E daí eu me pergunto outros milhões de coisas: será que o filho da professora morria de ciúmes da mãe? Quantas maçãs ele traz entaladas na garganta? O que é feito da cabecinha do filho da professora quando os anos batem à porta e ele é deposto do cargo de filho da professora?
Deve ser uma liberdade e um abandono. Deve ser uma dúvida danada na cabeça. Já crescidos, observo ainda às vezes aquele ar de realeza, e arrisco que alguns já quase me colocaram o dedo em riste pra dizer [tardiamente, coitados...]: VOCÊ SABE COM QUEM VOCÊ ESTÁ FALANDO? EU SOU O FILHO DA PR... mas, ei! Cresceram. Acho também que, como por mágica, acabam adivinhando em mim uma vocação.
Nos últimos tempos - de primaveras começadas por 2 - meu coração foi refém sôfrego (pra usar um eufemismo) de dois encantadores/insuportáveis filhos da professora, e até hoje eu nem tinha dado a mínima relevância a essa coincidência. Mas tem outras!

Eu quero ser professora. Sempre quis, mas nunca soube antes. Percebi há alguns meses, como uma notícia de gestação que chega por telegrama. Eu gero o filho da professora dentro de mim há tanto tempo, e sequer suspeito quando darei à luz.
Isso explica TANTA coisa!

quinta-feira

TPM

Mais um temporal. E ônibus lotado. E aquela profusão de cheiros suados e molhados. E por que será que o celular da gente sempre toca nessa hora?
Eu ontem esqueci o celular em casa e fiquei PUTA. Hoje, quando ele tocou, fiquei muito mais.
-Alô, tô atendendo só pra dizer que não posso atender, oquêi?
Como a vida moderna é estúpida: a gente paga (e tem quem pague bem caro) por uma coleira móvel com um design interessante... Putz! Odeio o fato de que a minha condição de mulher me fragilize a ponto de eu me submeter a um celular, como se isso fosse me proteger de alguma coisa. Odiar é, aliás, o verbo do dia. Mulher é o substantivo do dia. Hormônios são os vilões há dois dias.
... E tem quem desafie o perigo: um doido insinuou que eu to gorda, pra me provocar. Eu queria saber qual é o barato da fascinação que eu exerço sobre os doidos! E não são os doidos no sentido figurativo não: doido, doido de lelé mesmo, daqueles que rasgam dinheiro e guardam papel higiênico usado na carteira, e que inclusive desenvolveram toda uma teoria revolucionária a esse respeito. Resta o tempo se encarregar de fazer justiça a esses gênios, vítimas do sistema, dessa sociedade opressora, arcaica, cega, e blablablablabla... Àpaputaquepariu. Não sabe que esses 10 quilos a mais são tudo culpa do inchaço da TPM? BURRO!
Sorte dele eu já saber que ele é doido e que ele tava de recalque pra cima de mim por conta da minha indiferença eterna: não conhecesse eu a figura, nem sei... Tem coisas que é bom nem saber.
E daí eu chego em casa, respiro aliviada e vem a parte B: choro.
Choro Nilos e Niágaras! Por quê?! Não seeeei! Mas por que a pergunta, hein?
H E I N???
Já sei!! (PLIM!)... FIL-ME DO AL-MO-DO-VAR. Nunca falha! Tão coloridos, tão engraçados, tão anti-exemplos do exagero...
E era uma picaretagem generalizada, o professor que queria comer a aluna e mentia pra amante que não tinha outra amante, e a aluna fazendo cara de Maria pra lá e pra cá, uma patifaria só... E eu: nossa! que história de amor linda! Choro.

NÃO É POSSÍVEL.
Apelei pro chocolate, liguei pro Zé, apelei pro salgadinho, o Zé trouxe mais chocolate, e daí eu lembrava de um desamor por quem eu moraria (sim, Zé! eu juro!) em Palheireiros e faria bolo pra fora enquanto ele procurasse emprego [eternamente] nos intervalos entre o futebol e o carteado cos cumpadi. E daí eu decido bater um papo com os amigos no MSN, e aquela chuva de elogios motivacionais, e daí eu me dou conta do quão ridículo é pensar que a gente é muito mais do que um bicho quimicamente regulado. Racionalidademeucu!
Não adianta, eu sou ariana: eu não sofro de tensão pré-menstrual; sofro de Tensão Pré-Morte. Vai saber por quantos anos... Tomara que eu não seja mesmo a futura Dercy, como dizem. Em nenhum sentido.
Rogai, irmãos!

sábado

Colisão

O amor é uma impossível estrada. Amor só existe em
Duas
Mãos.

[de: uma EX-andarilha]

sexta-feira

Desafio

[para José Dias]

... E como chega a alguma conclusão quem só pensa com o coração?


Matemática sartriana

Será possível somar quantas vezes me pego tentando me ver com seu olhar?

terça-feira

Dúvida

Pra onde foge quem já fugiu de casa?

segunda-feira

Março

Minha vó ficaria orgulhosa: ando obcecada por faxina. Isso seria impensável há pouco tempo atrás, embora eu tenha sido sempre uma pessoa limpinha (no sentido denotativo).
Essa noite choveu forte: era uma chuva que parece que tinha urgência em precipitar. Toda vez que isso acontece lá fora, percebo que o mesmo se passa em mim (vai ver que é por isso que tenho medo de janeiros). Assim: arrumo, limpo e elimino tudo quanto me é desnecessário aqui em casa e depois chove no meu espírito. Sucessivamente. É bonito, embora exaustivo.
... E não foi que hoje uma amiga ciganinha me disse que tenho parte com Iansã? Eu que hoje usei meus raios para afugentar um bêbado inconveniente; eu, que tenho feito questão de esquecer que tenho raios na manga como proteção...
Mas choveu hoje. Dentro e fora.
Espero não ter que pedir ajuda humanitária depois de tantos temporais.

quarta-feira

Delivery Status Notification (Failure)

O post anterior é meio mentira.
Quem fez a pergunta estúpida fui eu, e foi ao telefone... Confesso, confesso!
Não é sem frequência que sinto tanto controle sobre minhas ações quanto uma porta.
... Mas ainda há tempo!
E aí, você pensa em mim? De quanto em quanto tempo? Pergunto porque você, misteriosamente, me é uma pessoa cara; se pensa, isso lhe traz uma sensação trágica ou cômica? Ou você pensa tão somente por ter uma memória fantástica? Você já resolveu lavar os cabelos com xampú? Continua fumando aquele cigarro de palha mais fedido que o meu? Você virou fumante de verdade, né? Que teimosia! Eu avisei!
Você vem em casa de verdade? Mas por que cargas d'água você disse que quer vir em casa se eu jamais convidei? Por que não vem logo? Por que não nos faz o favor de não vir nunca?
O pior de tudo é que eu sei que você vem. Você sempre veio. Você só não sabe ir. Você precisa aprender logo a ir, e eu tenho que aprender logo a ficar. Enquanto isso não acontece (a vida é uma eterna sucessão de enquantos), nunca mais perguntarei: "e aí, como você tá?" só pra aparentar adequação social. Não.
Por que você fez aquela mudança radical no visual? Isso tem algo a ver com uma mudança interna radical ou somente reflete a aceitação de qualquer coisa que mudou há muito? Minhas perguntas continuam impossíveis de serem respondidas? (e isso é uma sentença retórica pra disfarçar um "você ainda acredita que eu sou a única pessoa do mundo que te snooka, óh, gênio do bilhar?")... Mas me conta: você alguma vez na vida já se perguntou alguma coisa espontaneamente? Você tem alguma atividade extra a não ser SER? Você é tanto, e com tamanha destreza, que eu suponho que não. Aliás, não sei mesmo como você me considera tão boa repórter: eu pergunto e eu respondo, tipo o Faustão. Ainda não sei se quero sugestionar as pessoas com isso ou simplesmente as adivinho... Mas ah! já ia me esquecendo que a inquisição é a seu respeito.
O que você tem comido de gostoso? Você ainda come com aquela concentração de yôgue? Eu sim. Não perco nada, nada... Como você. E isso inclui os sucos, mas agora enjoei um pouco de suco de goiaba e tenho bebido muito suco de laranja... Laranja de verdade, sabe? Sem gelo e sem açúcar. Nham.
Bom, se você vier mesmo em casa, me ensina também a apenas ser? Promete? E você vai confessar logo que usa algum produto babadeiro pra ter essa pele absurda? Eu não conto a ninguém. Prometo!
Um beijo. Na sua testa, como sempre.

Como vc ta?

Teclando, esses dias, percebi quão estúpida é essa pergunta.
Sei lá, eu tô gorda. Eu tô felicíssima e sofrendo muito (e essas coisas podem coexistir SIM). Eu tô meio dura até dia 01. Eu tô com sono... Pela manhã não estarei mais. Eu tô com uma regata cinza, jeans, bolsa amarela e chinelo... E você, como tá?
Que pretensão a das pessoas em querer saber como o outro está! Só um psicanalista DOS BONS poderiam fazer algum uso da resposta.
Estamos.
... E isso não basta?